O aniversário de 40 anos da NR-15…

Em 2018, completamos 40 anos da publicação da Portaria 3.214, que instituiu as Normas Regulamentadoras.

Originalmente, foram 28 NRs; até então, as normas relacionadas a saúde e segurança estavam dispersas, o que dificultava seu conhecimento e aplicação1.

Entre as NRs então publicadas está a famosa NR-15, que há anos é objeto de críticas por algumas inadequações conceituais e pela sua falta de atualização.

A existência do detestável adicional de insalubridade, porém, não é culpa da NR-15, já que ela apenas disciplina uma previsão da nossa lei… :-/

Para “comemorar” os 40 anos dessa norma que nos afeta tanto, recomendo que você leia o artigo NR-15 – Um pouco de sua história e considerações do grupo que a elaborou, de autoria dos Higienistas Ocupacionais José Manuel Gana Soto, Irene F. Souza Duarte Saad, Eduardo Giampaoli e Mário Luiz Fantazzini.

O artigo está publicado no volume 21 da Revista da ABHO, disponível para download gratuito no link a seguir:

http://www.abho.org.br/revistas/

É um artigo com muita informação, que fico feliz que tenha sido escrito e publicado! Recomendo fortemente que você leia esse Artigo com calma, sem pressa, tomando um café… É uma aula de história da Higiene Ocupacional no Brasil.

Isso porque antes de aplicar ou criticar uma norma, é importante entender o contexto em que ela foi feita.

Conhecendo o contexto, entendemos coisas que hoje nos parecem absurdas. Tomamos consciência das limitações enfrentadas à época e das expectativas que os elaboradores tinham – inclusive sobre a atualização da NR.

Entendendo a norma podemos aplicá-la com critério, ficando livre do “cara-crachá de NR” – somos bem mais que isso, certo? ?

Para isso, nesse post vamos abordar alguns aspectos que podem ajudar você nesse processo:

  • A notória desatualização dos valores dos “limites de tolerância”;
  • As limitações tecnológicas da época e a exigência das 10 medições com intervalos de 20 minutos;
  • O que fazer diante de uma norma defasada.

Vamos lá!

A desatualização dos “limites de tolerância”.

Bem, já conversamos aqui sobre o assunto “limites de tolerância” e as ressalvas que devemos fazer para utilizar esse conceito. Segundo a NR-15,

Entende-se por “Limite de Tolerância”, para os fins desta Norma, a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral.

Esse conceito infelizmente é incorreto, sendo muito mais “ousado” que a definição original da ACGIH.

Segundo consta no artigo, a definição técnica do limite de exposição ocupacional não foi utilizada por “razões de estrutura legal”.

Conforme os autores, a definição correta, que estabelece que a observância aos valores-limite não causaria dano à saúde da maioria dos trabalhadores, não foi aceita na revisão final pela equipe jurídica do Ministério do Trabalho. Isso porque eles teriam entendido que a lei deveria ser taxativa e, portanto, não poderia usar expressões como “a maioria”1

Ainda sobre os limites de tolerância… Você sabia que os valores atualmente em vigor são os que estavam no livreto da ACGIH de 1976?!?!

À época da publicação do Artigo (2010), 52,3% dos limites de tolerância da NR-15 eram maiores que os TLV® da ACGIH.. Muitos casos são dramáticos:

  • 2% acima de 100 vezes;
  • 11% entre 30 e 99 vezes;
  • 16% entre 10 e 30 vezes.

Precisa dizer mais alguma coisa?

Avaliações quantitativas da exposição a agentes químicos.

Esse é um caso em que devemos lembrar que a norma foi escrita nos anos 70…

Naquela época, não havia muitos laboratórios que pudessem analisar amostras ao nível de ppm1. Então, o que mais se usava eram tubos colorimétricos.

Assim, o Anexo 11 da NR-15 reúne todos os agentes químicos que podiam ser avaliados por meio de tubos colorimétricos naquela época!

Isso explica também a seguinte previsão:

6.A avaliação das concentrações dos agentes químicos através de métodos de amostragem instantânea, de leitura direta ou não, deverá ser feita pelo menos em 10 (dez) amostragens, para cada ponto – ao nível respiratório do trabalhador. Entre cada uma das amostragens deverá haver um intervalo de, no mínimo, 20 (vinte) minutos.

A ideia por trás disso era: como a medição era de curta duração e muitos dos limites de exposição eram de média ponderada (para “jornada completa”), estabelecer essa quantidade de medições e esse intervalo entre elas era uma forma de “forçar” a avaliação de uma parte maior da jornada de trabalho, evitando-se o risco de tomada de decisões com base em apenas uma amostra

Infelizmente, essa “filosofia” não foi plenamente compreendida, como já conversamos no artigo sobre Nível de Ação:

Nível de Ação para Agentes Químicos: O Que É e Como Utilizar

Ainda é bem comum ver decisões sendo tomadas com base em avaliações que estão muito longe de representar a jornada de trabalho…

Curiosidade: Iluminação x Insalubridade.

Uma coisa que sempre me causou estranheza foi o fato de Iluminação (a falta dela, no caso) ter sido um dia considerado um “agente insalubre”.

O Artigo informa que os níveis de iluminamento foram incluídos porque:

  1. À época, o tema era tratado pela Higiene Ocupacional. Posteriormente, com o desenvolvimento da Ergonomia no país, o tema foi transferido para a NR 17;
  2. Os níveis baixos de iluminamento contribuíam muito para a ocorrência de acidentes de trabalho. Incluir o tema na NR-15 foi uma forma de forçar as empresas a resolverem o problema.

É bom também lembrar que é por causa do iluminamento que temos aquele “mínima” no meio da definição de limite de tolerância. 😉

Como lidar com a desatualização da NR-15?

Nossa aniversariante chega aos 40 anos precisando de retoques.

Alguns já foram feitos, como a revisão do Anexo 8 (que trata de Vibrações). Essa revisão levou à elaboração do Anexo 1 da NR-9, dedicado inteiramente ao agente.

No entanto, os limites de exposição aos agentes químicos precisam de uma atualização urgente! É inaceitável que nossa normatização mantenha valores com 40 anos de defasagem.

Enquanto isso não acontece, temos o dever profissional de agir com base na boa técnica.

Devemos trabalhar os aspectos de prevenção e controle utilizando limites de exposição atualizados, bases conceituais corretas e novas tendências, como o control banding.

É com a saúde de milhões de pessoas que estamos lidando.

Faça a sua parte. ?

Até a próxima!


NR-15 – Um pouco de sua história e considerações do grupo que a elaborou. Autores: Higienistas Ocupacionais José Manuel Gana Soto, Irene F. Souza Duarte Saad, Eduardo Giampaoli e Mário Luiz Fantazzini. Revista da ABHO, vol. 21, disponível para download em http://www.abho.org.br/revistas/ . Não deixe de ler!!

Cibele Flores

Engenheira Mecânica, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia, Auditora Fiscal do Trabalho e professora em cursos de especialização.

12 Resultados

  1. Airton Marinho disse:

    Lúcido e bem cuidado texto, Cibele.

  2. Andre disse:

    Parabéns pelo artigo.

  3. Maria Margarida Lima disse:

    Cibele, fiquei feliz em saber que você valorizou o artigo de autoria de meus colegas na Fundacentro sobre a história da NR-5. Como disse, temos sempre de considerar o contexto em que acontecem as coisas. Parabéns por suas lúcidas reflexões!

    • Cibele Flores disse:

      Muito obrigada pelas palavras gentis, Margarida! Sou uma grande admiradora do trabalho que os colegas da Fundacentro conseguem desenvolver, apesar das muitas dificuldades!
      Abraços!

  4. Joelson Guedes da Silva disse:

    Cibele, parabéns pelo texto. Muito agradável e enriquecedor. Na verdade, não apenas este, mas todos os demais que você costuma escrever.
    Continue contribuindo com a segurança e saúde no trabalho.

  5. Irene Saad disse:

    Cibele, muito bom o seu artigo. Agradeço que você esteja sugerindo aos colegas que leiam nosso artigo sobre a história da NR-15. Por meio dele quisemos deixar registrado um pouco da história. É claro que nós, como idealizadores da NR-15, ficamos muito frustrados ao ver a sua desatualização. Tentamos corrigir um pouco disso quando elaboramos a nova NR-9. A intenção da Fundacentro na época era que todas as NRs deveriam se atualizadas a cada dois anos. Infelizmente vemos a NR-15 parada há 40 anos. Ver um Anexo 13 ainda em vigor é lamentável. Mas temos esperança que isso mude. Já algumas coisas mudaram. A NR de vibração é um bom exemplo. Abraços.
    Irene Saad

    • Cibele Flores disse:

      Muito obrigada pelo trabalho que vocês fizeram e, também, por deixarem registrada essa história. Tenho fé que as coisas vão melhorar, ainda que lentamente… 🙂
      Abraços!

  6. Jonathan Carboni Henck disse:

    Parabens Cibele

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