Devemos acreditar nos “limites de tolerância”?

Os limites de exposição ocupacional, ou limites de tolerância, ainda são vistos por muitos colegas como uma linha que separa uma situação segura de uma situação não segura.

Muitas empresas deixam de adotar medidas para o controle dos riscos ambientais apenas porque uma avaliação quantitativa teve resultado inferior ao “limite de tolerância”…

Essa visão está correta? Até que ponto podemos realmente confiar nesses valores?

Ao final desse artigo, você deverá:

  • Entender onde os “limites de tolerância” estão estabelecidos na nossa legislação;
  • Por que esse conceito é questionável e tem outra roupagem em outros países.

Vamos lá!

Os Limites de Tolerância na legislação brasileira

O Art. 189 da CLT estabelece que:

Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Segundo o Art. 190, caberia ao Ministério do Trabalho definir tais atividades e, também, os limites de tolerância aplicáveis.

Atendendo a essa previsão, temos a NR-15. Ela traz limites de tolerância para diversas atividades e para a exposição a alguns agentes físicos, químicos e biológicos.

Em seu texto-base, a NR-15 traz a seguinte definição de limite de tolerância:

A concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral.

Definição ousada e equivocada, como conversaremos a seguir.

Os TLV® da ACGIH

Nossos “limites de tolerância” para agentes químicos tiveram como base os valores estabelecidos pela ACGIH no final da década de 70.

Sim, estamos trabalhando com valores com quase quarenta anos de defasagem!

Os limites apresentados pela ACGIH se chamam TLV®  (Threshold Limit Value), e tem uma definição beeeem mais cautelosa. O limite para concentrações médias ponderadas no tempo em uma jornada de 8 horas, TLV-TWA®, tem a seguinte definição*:

É a concentração média ponderada no tempo, para uma jornada normal de 8 horas diárias e 40 horas semanais, à qual, acredita-se, que a maioria dos trabalhadores possa estar repetidamente exposta, dia após dia, durante toda a vida de trabalho, sem sofrer efeitos adversos à saúde.

Observe que eles usam termos bem cautelosos, como “acredita-se” e “maioria”. E eles vão mais além ao deixar claras as limitações dos TLV®:

Na verdade, os TLVs não representam uma linha divisória entre um ambiente de trabalho saudável e não saudável, ou um ponto no qual ocorrerá um dano à saúde. Os TLVs não protegerão adequadamente todos os trabalhadores. Algumas pessoas podem apresentar desconforto, ou até efeitos adversos mais sérios à saúde quando expostos a substâncias químicas em concentrações iguais ou até mesmo inferiores aos limites de exposição*.

Nesse contexto, observa-se que a ACGIH apresenta seus valores como uma referência, uma orientação…

Se quem estabeleceu os valores os trata assim, porque nós ainda temos a visão de que o limite de exposição é definitivo e que nunca nada poderá acontecer abaixo dele?

Ah, nem vamos discutir agora a bagunça que se faz quando se realizam avaliações quantitativas da exposição – muitas vezes desnecessariamente, principalmente quando os riscos são evidentes.

E agora? Confiar ou não nos limites de exposição?

Infelizmente, muitos de nós ainda estamos presos à visão do limite de tolerância como uma linha que separa a saúde da doença.

Ou, pior ainda, apenas como um valor acima do qual temos que pagar um adicional aos trabalhadores, ou indenizá-los judicialmente.

Essa visão, fruto da existência injustificável do  adicional de insalubridade, contamina de forma grave as ações de Higiene Ocupacional nas empresas.

Evidentemente, os profissionais do SESMT e assessores estão subordinados à legislação. É natural que busquem atendê-la de forma a não criar um passivo para seus empregadores.

No entanto, isso deve ser articulado com a busca pela prevenção, obedecendo a hierarquia das medidas de controle consolidada na Higiene Ocupacional e apresentada na NR-9.

Afinal, salvar vidas é nossa missão real. 🙂

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Façamos todos um bom trabalho!


*Fonte: TLVs e BEIs – Baseados na Documentação dos Limites de Exposição Ocupacional (TLVs) para Substâncias Químicas e Agentes Físicos & Índices Biológicos de Exposição (BEIs). Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais, Brasil, 2013.

 Obs: Normas mais recentes, como o Anexo 1 da NR-9, já usam a denominação “limite de exposição ocupacional”. Essa é uma expressão mais adequada que “limite de tolerância”. No meu entendimento, porém, a definição de VRO (Valor de Referência Ocupacional) apresentada no texto-base da NR-15 que foi à consulta pública seria ainda melhor…

Cibele Flores

Engenheira Mecânica, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia, Auditora Fiscal do Trabalho e professora em cursos de especialização.

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