“Nível de Ação” para Agentes Químicos: O Que é e Como Utilizar?

Certamente você já ouviu falar sobre o nível de ação, que está estabelecido nos itens 9.6.1 e 9.6.1.2 da nova NR-9, certo?

9.6.1 Enquanto não forem estabelecidos os Anexos a esta Norma, devem ser adotados para fins de medidas de prevenção:
a) os critérios e limites de tolerância constantes na NR-15 e seus anexos;
b) como nível de ação para agentes químicos, a metade dos limites de tolerância;
c) como nível de ação para o agente físico ruído, a metade da dose.

9.6.1.2 Considera-se nível de ação, o valor acima do qual devem ser implementadas ações de controle sistemático de forma a minimizar a probabilidade de que as exposições ocupacionais ultrapassem os limites de exposição.

Hoje, no entanto, vamos mostrar que, segundo quem o “criou”, o nível de ação para agentes químicos não é necessariamente a metade do limite de exposição…

E antes que você se pergunte o que vai fazer com essa informação, já explico:

Ter ainda mais cautela com a interpretação de resultados de medições, como já começamos a conversar no artigo:

Devemos acreditar nos limites de tolerância?

Afinal, você não quer encontrar colegas seus com cânceres e outras doenças ligadas ao trabalho no futuro, certo? Então precisa atuar já, implementando as medidas de controle necessárias.

“Ah, mas eu não preciso só cumprir as normas?”

Não.

Nesse momento, lembro a você que as NRs são apenas regulamentos; elas não definem a técnica e estão longe de esgotar a ciência que está relacionada à sua área de atuação.

Então, a “sequência correta” seria:

  1. Aprender a ciência envolvida – no caso é a Higiene Ocupacional. O mesmo raciocínio se aplica a segurança de máquinas, serviços com eletricidade, espaços confinados…
  2. Depois de entendida a técnica, estudar a legislação aplicável e os requisitos mínimos que devemos comprovar que atendemos – onde entra também a documentação necessária.

Infelizmente, na vida real, acabamos fazendo o contrário…

Mas enquanto estamos na atividade, há espaço para aprender! Então ao final desse artigo você deverá saber:

  • O que é o nível de ação;
  • Que ele nem sempre será 50% do limite de exposição ocupacional, para agentes químicos.

Vamos lá!

Por que inventaram o “nível de ação”?

Bem, é importante que a gente entenda que a exposição de um trabalhador a um determinado agente químico não é constante:

  • Ela pode apresentar variações dentro de uma mesma jornada de trabalho;
  • A exposição também tem variações entre as jornadas de trabalho.

Para tentar “amenizar” o efeito da variação dentro da mesma jornada, se recomenda fazer uma avaliação de jornada completa.

Mas para tentar “apagar o efeito” da variação entre as várias jornadas, como fazer? É completamente inviável ficar fazendo medições ocupacionais todos os dias, certo?

Aí entra a ciência da Estatística.

Não é minha intenção dar uma aula de Estatística aqui. Basta, por enquanto, que você entenda que uma simples amostra que você colhe não representa a exposição do trabalhador em todos os dias do ano.

Uma ótima fonte para estudar estratégia de amostragem é o Manual do NIOSH, usado mundialmente como referência há muitos anos.

A versão em português pode ser acessada no site da ABHO, no link:

http://www.abho.org.br/wp-content/uploads/2015/02/Manual_NIOSH_Estrategia_Amostragem.pdf

É desse Manual que tiramos a base para o conceito de nível de ação. Segundo o Manual:

O nível de ação foi definido tendo em vista o fato de o empregador ter que diminuir a probabilidade de mesmo uma baixa porcentagem de médias de exposição diárias (médias ponderadas por um tempo [TWA] de 8 horas) ultrapassarem o padrão. […] Em termos da Estatística, o empregador deve tentar atingir uma confiança de 95% na qual, em não mais que 5% dos dias, o empregado esteja acima do padrão.

Então, vamos sempre lembrar disso: o nível de ação é um parâmetro com base conceitual ligada à estatística, e não apenas uma invenção normativa. 😉

Ok, e qual o valor do nível de ação?

“Ah, essa é fácil! Para agentes químicos, 50% do limite de tolerância!”

Na verdade, não é bem assim. A resposta correta, rigorosamente, é: “Depende”.

Para quem trabalha com o assunto, recomendo a leitura do Apêndice Técnico L, do Manual do NIOSH, de onde extraímos o seguinte gráfico:

Fonte: Manual do NIOSH, traduzido pela ABHO.
  • No eixo vertical, temos a probabilidade de que  5% das exposições reais diárias ultrapassem o limite de exposição nos dias não medidos. O valor assinalado, de 0,05, representa a probabilidade de isso acontecer segundo a definição do nível de ação que apresentamos logo ali acima (1 – 0,95). Lembrando que 0,95 é o mesmo que 95%. 😉
  • As curvas no gráfico representam o desvio-padrão geométrico (DPG – GSD, geometric standard deviation), que é o parâmetro estatístico que representa a variação da concentração no ambiente de trabalho. Se o DPG fosse 1, por exemplo, teríamos um ambiente em que a concentração é a mesma o tempo todo – hipótese totalmente irreal.
  • No eixo horizontal, temos a fração do limite de exposição que, considerando um valor de GSD/DPG e uma dada probabilidade, garantiria que em não mais de 5% dos casos a exposição fosse superior ao limite de exposição. Em resumo, seria o nível de ação.

Observe que o valor de 0,5 no eixo horizontal é obtido quando temos uma probabilidade de 5% (o mesmo que 0,05) e um desvio-padrão geométrico entre 1,2 e 1,25 (é 1,22, segundo o Manual).

O nível de ação, então, é de 0,5 apenas para essa situação muito específica e otimista. Otimista porque, segundo consta no Manual, “é provável que poucos DPGs do dia-a-dia sejam menores que 1,22″.

Para desvios-padrão geométricos maiores que 1,22, o nível de ação é menor que 0,5. Quanto mais você aumenta o DPG (ou seja: quanto mais variável é a sua exposição), mais você “anda para a esquerda” no gráfico, o que corresponde a níveis de ação cada vez menores.

E agora?

Veja bem: assim como no artigo sobre “limites de tolerância”, a intenção não é enlouquecer ninguém. 🙂

Mas é preciso que se entenda a origem de parâmetros que são comuns em nosso dia a dia. Senão seremos mais um a aplicar esses parâmetros de forma errada, e continuaremos com um ciclo de adoecimento de trabalhadores que seria totalmente possível de evitar!

Em uma situação em que não há quaisquer medidas de controle implementadas, fazer apenas uma medição, obter um resultado abaixo de 50% do limite de exposição e só por isso achar que está tudo bem é errado!

Além disso, há referências tanto da AIHA quanto do BOHS* e do NVvA** que recomendam que você só poderia estar “tranquilo” se o resultado medido fosse menor que 10% do limite de exposição ocupacional. O BOHS e o NVvA recomendam que, mesmo para esse limite, deveriam ser tomadas 3 medidas representativas e que as 3 devem estar abaixo desses 10%.

Você pode consultar esse material aqui:

https://www.arbeidshygiene.nl/-uploads/files/insite/2011-12-bohs-nvva-sampling-strategy-guidance.pdf

Não é tão simples como nos vendem, né? 😉

Como lidar?

A dificuldade de realizar avaliações quantitativas corretamente é uma das causas do desenvolvimento de toolkits de avaliação qualitativa, como as ferramentas de control banding.

Principalmente em pequenas e médias empresas, é praticamente inviável fazer as avaliações do jeito certo – o que não quer dizer que os riscos não existam ou que não precisem ser controlados!

Nessa hora, conhecer ferramentas para avaliação qualitativa é extremamente útil! Para começar a entender o assunto, leia nosso artigo que apresenta a ferramenta COSHH Essentials, do HSE, que utiliza o conceito de control banding:

https://www.sabersst.com.br/avaliacao-qualitativa-control-banding-e-a-ferramenta-coshh-essentials/

Como o artigo já está gigante, paro por aqui agora. 😉

Espero que você não tenha medo de estudar, de aprender mais e de, eventualmente, se dar conta que muita coisa que dizem por aí não é bem assim. Isso faz parte da evolução de todos nós. ?

Só assim você conseguirá ser um profissional útil, bem-equipado para o mercado e que faz diferença por onde passa! 🙂

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Até a próxima!


*BOHS: British Occupational Hygiene Society.

** NVvA: Nederlandse Vereniging voor Arbeidshygiëne.


E como a vida não é só SST, compartilho com vocês o que tenho lido de bom. 🙂

Cibele Flores

Engenheira Mecânica, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia, Auditora Fiscal do Trabalho e professora em cursos de especialização.

8 Resultados

  1. Dyonatan Fortunato disse:

    Obrigado por compartilhar seu conhecimento .

  2. Thiago disse:

    Obrigado pelo Ótimo conteúdo professora ajudou muito.

  3. Ribeiro disse:

    Que artigo excelente Cibele ! Estou há 10 meses fazendo o curso de TST, apesar do material constar sobre “Nível de Ação” estava com dificuldades de entendimento.

    Tua explicação e abordagem do assunto além do convencional, foi fundamental para concluir minha atividade de aula.

    Muito obrigado!

    Ribeiro

  4. André Luiz disse:

    Uau!
    Nunca “engoli” direito este conceito sobre Níveis de Ação… e seu post me deixou ainda mais reflexivo – isso é ÓTIMO!
    Certamente, aprofundarei meus estudos e serei um profissional melhor.
    Muitíssimo obrigado!
    Parabéns pelo conteúdo… #Saúde

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