Câncer Relacionado ao Trabalho no Brasil

Entra ano, sai ano, e as discussões sobre as exposições a agentes cancerígenos nos locais de trabalho não avançam.

O silêncio em torno do adoecimento ligado ao trabalho foi objeto de um dos primeiros artigos desse site – na verdade, foi uma das causas para a criação do blog. Relembre aqui:

https://www.sabersst.com.br/doencas_trabalho_brasil/

E o que se vê é que o conhecimento “acadêmico” sobre o assunto até aumenta, mas a prática prevencionista não sai do lugar…

Isso ocorre por uma série de motivos, mas vou destacar dois:

  • A preocupação com aspectos formais ou burocráticos, como um sem-fim de programas, laudos e outros papéis. Isso acaba por “distrair” os prevencionistas de sua função principal, que é atuar para a preservação da saúde dos trabalhadores.
  • Falta de conhecimento dos prevencionistas sobre aspectos de Higiene Ocupacional básica. Não estamos falando aqui de assuntos “avançados” como estratégia de amostragem, mas sim sobre atuação na prevenção primária.

Se você achar que não é nada disso e quiser contribuir para essa discussão, deixe sua opinião nos comentários. Queremos saber o que vocês pensam! ?

Enquanto isso, o que ocorre de fato é que as pessoas continuam morrendo por cânceres totalmente evitáveis, cujas causas e medidas de controle dos fatores de risco já são conhecidas há décadas.

Da publicação Atlas do Câncer Relacionado ao Trabalho no Brasil, do Ministério da Saúde, extraímos a seguinte tabela:

Lá também consta a seguinte definição:

A fração atribuível populacional, finalmente, estima a proporção da doença ou evento relacionado à saúde que seria prevenido na população caso o fator de risco fosse eliminado.

Agora olhe novamente a tabela, com essa definição em mente. Olhe os dados sobre leucemias, câncer de traqueia, brônquios e pulmões, câncer de bexiga… A situação é séria!

Vamos então, nesse artigo, apresentar os fatores de risco mais comuns associados aos cânceres com as maiores frações atribuíveis a agentes ocupacionais segundo o Atlas.

Qual o objetivo disso? Alertar você para esse problema, instigar sua curiosidade sobre o assunto e lembrar que, mais que ser um administrador de papéis e obrigações legais, você pode salvar vidas!

Principais Cânceres Relacionados ao Trabalho

a) Câncer de Bexiga

Segundo o Atlas, 10% dos casos de câncer de bexiga são provocados por exposições ocupacionais a agentes químicos como o benzeno e outros solventes.

b) Câncer de pulmão, brônquios e traqueia

Apesar de o tabagismo ser a principal causa de câncer de pulmão, é cada vez mais evidente o papel da exposição ocupacional em sua origem, devido a fatores como a radiação, certas poeiras, como o asbesto e a sílica, e alguns metais (fonte: Atlas).

O texto reproduz o que a tabela já apontava, mas que faço questão de repetir porque é um dado forte:

Se cessarmos a exposição ocupacional aos fatores de risco de câncer de pulmão, brônquios e traqueia, poderemos reduzir 15,63% do número de casos em homens.

Veja bem. De cada 100 casos, 15 poderiam ser evitados por esforços de prevencionistas por todo o Brasil.

Menos 15 famílias sofrendo, em cada 100. 

Menos gastos com tratamentos médicos, que poderiam ser direcionados para as doenças “inevitáveis”.

E está tudo nas nossas mãos, prevencionistas! 

c) Câncer de Sistema Nervoso Central

Apesar de ser um câncer menos comum, o câncer de sistema nervoso central merece destaque aqui por ser um dos mais incapacitantes e letais, segundo o Atlas. 

Entre seus fatores de risco ocupacionais, pode-se destacar: exposição a químicos (refino do petróleo, borracha, medicamentos e trabalhadores rurais expostos à agrotóxicos, dentre outros), radiação ionizante e radiação não ionizante (telefones celulares, campos magnéticos de baixa frequência).

d) Leucemias

Leucemia é um grupo de cânceres que surgem geralmente na medula óssea e causam um número elevado de glóbulos brancos anormais. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Leucemia)

As leucemias podem ser classificadas em leucemias mieloides, linfoides ou de linhagem mista, e também em agudas ou crônicas.

Dentre os principais fatores de risco ocupacionais, destacam-se as radiações ionizantes em altas doses e a exposição ao benzeno. 

E aqui merece destaque novamente essa informação:

Se cessarmos a exposição ocupacional aos fatores de risco de leucemias, poderemos reduzir 8,69% dos casos em mulheres e 36,93% dos casos em homens!

Cessar totalmente não dá, obviamente. Mas reduzir o número de expostos já seria de grande ajuda…

e) Linfomas não Hodgkin

De forma bem resumida, linfoma é o nome de um conjunto de cânceres que atacam o sistema responsável por ajudar a combater infecções. (Fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/linfoma/)

Pode-se dividir os linfomas inicialmente entre Linfomas de Hodgkin e Linfomas Não-Hodgkin. Do ponto de vista ocupacional, os Linfomas Não-Hodgkin possuem maior relevância, segundo o Atlas.

Entre os fatores ocupacionais relacionados com os linfomas não Hodgkin, destacam-se os agrotóxicos.

Obs: Não mencionamos o mesotelioma porque esse é um assunto já muito batido e sobre o qual há consenso: amianto é cancerígeno, e ponto. Todos sabem – ou deveriam saber. ?

E agora?

Faça um bom reconhecimento dos riscos em seu local de trabalho.

Se sua empresa tem algum dos fatores de risco apresentados, mãos à obra! Também dê uma olhada na Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos, a Linach, que já apresentamos aqui:

https://www.sabersst.com.br/linach/

Você pode preferir se iludir que na sua empresa isso não é um problema, já que nunca viu nenhum trabalhador desenvolver algum desses cânceres por lá… Não faça isso!

Afinal, você não pode esquecer que a manifestação da doença não é imediata!

O trabalhador pode demorar muitos anos para apresentar os sintomas do câncer e ser diagnosticado; nesse momento provavelmente ele não estará mais trabalhando no local onde esteve exposto…

Então, faça o que deve ser feito!

Adote as medidas de controle adequadas, seguindo a hierarquia prevista nas normas e, claro, na boa técnica.

Está nas suas mãos ajudar a mudar a realidade do câncer relacionado ao trabalho no Brasil. Não deixe para depois.

Façamos todos um bom trabalho.

Cibele Flores

Engenheira Mecânica, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia, Auditora Fiscal do Trabalho e professora em cursos de especialização.

1 Resultado

  1. airton marinho disse:

    Exemplar seu texto, prezada Cibele. A humanidade vem ‘brincando’ com situações de risco cada vez mais, como se não houvesse futuro… saudações enlameadas mineiras. Airton.

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