Acidentes de Trabalho: Como e Por Que Analisar Eventos Adversos.

Em 2019, os acidentes de trabalho tiveram lugar de destaque na mídia.

A triste ocorrência em Brumadinho, que foi o maior acidente de trabalho da nossa história, ocupou horas do noticiário, muitas páginas de jornais e causou profunda tristeza nos brasileiros.

Não falarei sobre Brumadinho aqui porque o assunto é complexo; há gente mais competente nesse assunto do que eu analisando esse acidente, como os bravos AFTs de Minas Gerais.

Já a mídia de entretenimento apaixonou-se pela série “Chernobyl” – que é, de fato, um grande programa. Especialmente para o prevencionista.

A repercussão da série foi enorme nas redes sociais, e com muito merecimento! Aqui abrimos mão de algumas preciosas horas de sono para assistir (com um bebê pequeno elas valem ouro! ? ), e valeu muito a pena!

O último episódio da série, então… Vai dando uma revolta na gente ao ver a sequência de falhas que levaram àquela grande catástrofe.

E é interessante saber que, anos antes (em 1979), um incidente sério ocorreu na instalação nuclear de Three Mile Island, situada na Pensilvânia (EUA). Os relatórios dos incidentes nessa usina ao longo dos anos apresentam muitas coisas em comum com Chernobyl, e poderia ter havido graves consequências também na costa leste dos Estados Unidos!

Li isso no livro “As Piores Decisões da História – e as Pessoas que as Tomaram”, que é genial e recomendo que todos leiam. É um livro muito bonito, com papel de ótima qualidade e ilustrações muito legais, e super barato para o que ele é. Uma aula! Recomendo!

E no nosso trabalho cotidiano? Qual a importância da análise de acidentes de trabalho?

Assim como nessas grandes catástrofes, os acidentes que vemos no dia a dia geralmente não acontecem “do nada”. Antes costuma haver diversos eventos adversos que são ignorados (ou mal analisados) por quem de direito.

Idealmente, quaisquer eventos adversos devem ser analisados – o que pode variar é a profundidade dessa análise.

Ela deve ser definida com base em dois fatores: a probabilidade de que o evento ocorra novamente e a pior consequência desse evento adverso.

Como decidir a profundidade da análise de um acidente de trabalho

A tabela acima é apresentada na publicação “Guia de Análise de Acidentes de Trabalho”, do então Ministério do Trabalho, que você pode baixar gratuitamente aqui:

https://enit.trabalho.gov.br/portal/index.php/manuais

Que tal adotá-la em sua empresa?

Para os diferentes níveis de profundidade há a sugestão de quem deve participar da análise. Segundo o Guia,

No nível mínimo de análise as pessoas responsáveis, incluindo CIPA e SESMT, onde houver, devem analisar as circunstâncias do evento para aprender lições gerais e prevenir ocorrências futuras.  

O nível médio de análise deve envolver uma investigação pelo SESMT, CIPA, assessores de SST e supervisores, que deverão identificar fatores imediatos, subjacentes e latentes, evidenciando fatores organizacionais.

O nível alto de análise implica uma investigação detalhada desenvolvida por uma equipe multiprofissional, envolvendo, além do SESMT e da CIPA, supervisores, gerentes, assessores de SST e representantes dos trabalhadores, sob a supervisão de gerente geral ou diretores e irá procurar identificar os fatores imediatos, subjacentes e latentes, evidenciando fatores organizacionais.”

Ah, e não esqueça de considerar realmente a pior consequência possível, não o que de fato aconteceu no seu caso.

Se alguém cai do 4o andar de uma obra e só sofre arranhões, não considere que a consequência é “leve”. É “fatal”. ?

E como classificar as consequências de um evento adverso? Como saber se ela é “leve”, ou “moderada”?

Você pode utilizar a referência apresentada também no “Guia de Análise de Acidente de Trabalho”:

    Fatal: morte.  

    Grave: amputações ou esmagamentos, perda de visão, lesão ou doença que leve a perda permanente de funções orgânicas (por exemplo: pneumoconioses fibrogênicas, perdas auditivas), fraturas que necessitem de intervenção cirúrgica ou que tenham elevado risco de causar incapacidade permanente, queimaduras que atinjam toda a face ou mais de 30% da superfície corporal ou outros agravos que resultem em incapacidade para as atividades habituais por mais de 30 dias. 

    Moderado: agravos à saúde que não se enquadrem nas classificações anteriores e que a pessoa afetada fique incapaz de executar seu trabalho normal durante três a trinta dias. 

    Leve: todas as outras lesões ou doenças nas quais a pessoa acidentada fique incapaz de executar seu trabalho por menos de três dias. 

Então, se é possível que um evento adverso de consequência potencial moderada ocorra novamente, o nível de análise é médio.

Como já apresentado, a partir desse nível já há o envolvimento de pessoas de fora da CIPA e do SESMT. 

Sabemos da dificuldade para conseguir recursos para as ações de SST nas empresas. Envolver supervisores, gerentes e talvez até diretores na análise de acidentes de trabalho pode ser uma maneira de sensibilizá-los para o problema – nem que seja por receio de que haja outro acidente semelhante ou maior e ele não possa então alegar desconhecimento.

Infelizmente, às vezes é assim que as coisas funcionam.

E agora?

Todos sabem o principal motivo da análise de eventos adversos: reconhecer as deficiências no controle dos riscos no local de trabalho e, assim, poder corrigi-las – de preferência antes que algo grave aconteça.

No entanto, a maioria das análises acaba se tornando algo superficial, e muitas acabam por culpabilizar o trabalhador.

Em muitos desses casos, porém, há claras deficiências na gestão dos riscos da empresa, que perde uma grande oportunidade de melhorar seus equipamentos e processos.

Fazer melhores análises de acidentes é urgente!

Se isso não acontecer, continuaremos a lamentar sucessivas vezes por aqueles que não poderão voltar para junto dos seus após o que deveria ser um dia normal de trabalho.

Façamos todos um bom trabalho!

Cibele Flores

Engenheira Mecânica, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia, Auditora Fiscal do Trabalho e professora em cursos de especialização.

8 Resultados

  1. Airton disse:

    Com a costumeira competência… Parabéns, Cibele. Abc. Airton.

  2. Fernando Gallego disse:

    Excelente artigo. Parabéns Cibele.

  3. Mário Parreiras disse:

    Muito bom o seu artigo , Cibele. Espero que as pessoas envolvidas em análise de acidentes aprendam as lições destes eventos. Infelizmente não é o que temos visto nas empresas.

    • Cibele Flores disse:

      Obrigada, Mário.
      Sim, infelizmente. Mas a gente tenta manter a esperança, né?
      Parabéns pelo seu trabalho e obrigada por ser um exemplo para todos nós.

  4. Ribeiro disse:

    Professora Cibele, sou estudante (TST) obrigado pelo artigo e pela indicação do livro ! Não tenho paciência para séries kkkk, mas essa “Chernobyl” vou ter que assistir.

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